quarta-feira, 30 de setembro de 2009

CRÔNICA: O caçador da Várzea

O Caçador é um predador implacável. Sua visão é semelhante a da águia, que mesmo estando a muitos metros de distância, consegue ver sua presa. Sua audição é tão aguçada quanto a de qualquer presa (a caça). O caçador precisa ser ágil, para surpreender a caça. Todo sertanejo é um caçador nato; mas nem todos são ágeis. A agilidade do caçador mede-se pela astúcia e pela esperteza em criar situações para capturar a presa.
Lá nos recônditos de Várzea da Caatinga, havia um caçador conhecido pelo nome de Lavô; que era ágil como um gato nas caçadas que empreendia. Lavô, era "dos Marianos" (autêntico capuxú). Era musculoso; tinha a pele mais escura do que os outros irmãos. A barba fechada, impunha-lhe um aspecto cansado e envelhecido; apesar de ser o mais jovem dos irmãos. A grande força física ajudava-lhe nas mais diversas situações em que um caçador se submete.
Outrora, o sertão era um celeiro da fauna nordestina. Nas entranhas da serra redonda; que está encravada ao lado de Várzea da Caatinga; havia uma vasta fauna tropical. Era comum nas caçadas; o caçador encontrar tamanduá bandeira; veado campeiro; gato maracajá; tatu bola; gavião vermelho, etc. A arma do caçador sertanejo; assim como Lavô; era a espingarda. Arma de um só tiro. Perigosa para o caçador. O tiro tinha que ser certeiro; do contrário a presa fugia ou atacava o caçador. A espingarda tinha que ser recarregada após o disparo do único tiro. A carga ou munição era composta de pólvora, chumbo e uma bucha de palhas secas. A munição era colocada pelo cano da espingarda e logo em seguida socada com uma vareta comprida, que ficava encaixada abaixo do cano da mesma. Cada tiro era seguido de alguns minutos, até se ouvir novo tiro. Esse pequeno intervalo, era para a recarga da arma. A munição ficava armazenada em pequenos recipientes de chifre de boi. Um recipiente para a pólvora e outro para os chumbinhos. A bucha e as espoletas ficavam soltas no embornal (o bornó). O embornal servia também para guardar as caças pequenas (preás; arribaçãs; inhambús e rolinhas). Entre os apetrechos, havia os apitos ou chamadores; que emitiam sons semelhantes ao cantar da cordoniz; do marreco; da galinha d'água, etc. O caçador também efetuava caçadas noturnas. Munido de um lampião ou candeeiro para iluminar a escuridão da noite. Nas caçadas noturnas na serra redonda; podia-se ver de longe o tremeluzir da chama do lampião entre a vegetação. As caçadas noturnas eram mais perigosas. Lavô, sempre as fazia acompanhado de um companheiro seu chamado Pedro Elias. A caçada durante a noite, representava perigo, em razão do grande número de cobras venenosas, escorpiões e aranhas caranguejeiras e a pouca visibilidade noturna.
O caçador também armava suas armadilhas para capturar a presa viva. O "fôjo", era uma dessas armadilhas para capturar préas e cutias vivos. O "fôjo" é um alçapão onde a presa cai e não mais consegue sair. O "quixó" é outra espécie de armadilha; sendo que a presa normalmente não fica viva. As armadilhas são usadas também pelos meninos. A "baladeira" ou estilingue é a arma usada pelos meninos caçadores. A boa pontaria gera disputas entre eles. O menino sertanejo aprende desde cedo a ser um caçador; a ser um predador implacável.

Rubens Campos

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