quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

SALVEM O JEGUE:

Durante séculos o jegue foi o animal de estimação oficial das famílias do sertão. Era o amigo, o companheiro de trabalho, o meio de transporte capaz de buscar água no riacho próximo e voltar sozinho. O patrimônio mais valioso que um pai podia deixar para o filho. Isso acabou. Hoje é possível comprar um jumento por R$ 1, enquanto uma galinha custa sete vezes mais. O jegue está tão fora de moda que seus donos agora o esquecem na beira de alguma estrada, onde acaba causando acidentes. O desprezo pelo jumento é resultado da urbanização das cidades do interior do Nordeste. Por mais pobre que seja a família, hoje se pode comprar uma moto com apenas R$ 60 mensais. Carros aposentados nas capitais, como Caravans, Brasílias e Chevettes, são negociados por R$ 400. Os veículos, por piores que sejam, são mais rápidos, agüentam mais peso e não empacam. 'Os jegues estão marchando na contramão da História', diz Geraldo de Macedo, secretário de Agricultura de Currais Novos, no Rio Grande do Norte, que destacou um grupo de funcionários para recolher os jegues sem dono que vagam pela cidade. Na caatinga, o que era uma grande vantagem virou problema. 'O jumento sobrevive nas situações mais difíceis".As pessoas se desfazem dele, mas ele fica vadiando pela cidade e invade as lavouras.' Os bichos capturados são levados para o interior da Paraíba, onde são vendidos a preço de banana. Outras prefeituras são menos politicamente corretas – na calada da noite enchem carretas com jegues para abandoná-los na cidade vizinha, que fará o mesmo no dia seguinte. A prefeitura de Guamaré, no Rio Grande do Norte, foi mais radical: proibiu a entrada de jumentos. Nas entradas da cidade, pôs guaritas com PMs para bloquear os quadrúpedes invasores. Nas capitais, os burros praticamente desapareceram. Em Salvador, só existem na periferia, geralmente usados por pequenas lojas de material de construção. 'O pessoal compra areia ou cimento para melhorar a casa e a gente faz a entrega com ele', explica Demetrius de Brito, dono da loja O Casarão da Construção e do jegue Algodão Doce.


Não é a primeira vez que o bicho está ameaçado. Na década de 60, sua carne passou a ser exportada para a França e o Japão, onde é bastante apreciada, e o número de animais caiu pela metade em sete anos. "Tivemos de fazer uma campanha de conscientização para evitar que eles acabassem', reclama Fernando Viana Nobre, presidente da Associação Brasileira de Criadores do Jumento Nordestino. Mas a atual crise é pior, explica outro defensor do animal, o padre cearense Antonio Batista Vieira, de 83 anos, autor do livro O Jumento, Nosso Irmão, que inspirou até música de Luiz Gonzaga. 'Antes as pessoas encontravam um jegue solto na rua e já queriam vender para o matadouro. Agora, eles ficam aí, abandonados. É muito triste.' Ele explica que os bichos já não servem nem para a exportação, porque o mercado globalizado agora compra jegues africanos, ainda mais baratos que os brasileiros.
Para defender o bicho, o padre Vieira coordena, há 30 anos, o Clube Mundial dos Jumentos, que já recebeu apoio até da atriz e ecologista francesa Brigitte Bardot. 'A situação é triste porque tudo o que existe neste Nordeste foi feito no lombo do jumento', ecoa Viana. O poeta popular Patativa do Assaré homenageou o companheiro eqüídeo no poema 'Meu Caro Jumento'. Em Santana do Ipanema, em Alagoas, a estátua de um jumento na entrada da cidade homenageia o bicho que buscou água no poço local antes da chegada das bombas d'água. E Panelas, em Pernambuco, faz um festival que inclui corrida de jegues e uma cerimônia na qual o animal vencedor é coroado Rei da Cidade."
Em 1967, havia 2,7 milhões de jumentos no Nordeste. Hoje, existe apenas 1,2 milhão No sertão, o preço de uma galinha poedeira é de R$ 7, enquanto um burro pode ser comprado por apenas R$ 1

Fonte: Revista Época

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