sábado, 7 de novembro de 2009

CRÔNICA: Casa Abandonada

Aquela casa abandonada que você vê quando passa na estrada; foi do meu avô. N’aquela casa velha viveu uma família; com seus sonhos. Nasceram e criaram-se muitos filhos (como batata na areia do rio); que hoje vivem espalhados por esse mundão de meu Deus. Ainda lembro dos seus cômodos e seus móveis. Duas salas, dois quartos, despensa, cozinha e duas latadas. Os móveis e utensílios eram: tamboretes de couro de boi, mesa, silos, caixotes de guardar farinha e rapadura, baús, malas de couro, redes de dormir, cama de varas e couro de boi, pinico de barro, potes de barro (em três tamanhos), copos de alumínio, pratos de ágata, colheres de latão, chaleira, panelas de barro (pretas de tisna), alguidares também de barro, bule de ágata, um resto de um pote com sal, uma pequena mesinha e um oratório com imagens e esculturas de santos (que ficavam na sala), uma folhinha pendurada na parede da sala, um rádio a pilha sobre a mesa de jantar, banheiro (era no meio das capoeiras de algodão; um cercado de varas).

Da sala, duas janelas davam à latada do oitão, de onde se avistava a torre da igrejinha branca; com seu sino imponente a anunciar as missas ou os falecimentos. Você imagina o que é ficar sentado na janela, olhando o tempo passar; olhando as nuvens e imaginando os bichos que ela está formando!. Você imagina o que é ser criança nos sertões!. Ser criança nos sertões é viver essa fase da vida com liberdade; e só muitos anos depois descobrir que aquilo era ser feliz.

Da latada da frente avistava-se o majestoso pau d‘arco, perto da porteira de entrada. Aquela casa velha era uma casa muito movimentada e cheia de vida. As crianças brincavam de verdade. Hoje, não se vê crianças brincando como antigamente.

Você, que hoje passa e olha essa casa velha abandonada, sem telhado e as paredes caindo; não faz a menor idéia de como era ela no passado. Aquela casa guarda muitos segredos. Muitas festas aconteceram ali; muitos casamentos , muitos batizados e muitas cantorias. Cada tijolo, guarda segredos de amor e de ódio; marcas de sangue e de lágrimas. Os tijolos desgastados do piso, absorveram o suor do trabalho e as lágrimas derramadas dos momentos de dor. Você imagina quantos mistérios pode haver n’aquela casa abandonada!.

Hoje, no meio do mato, com suas paredes desmoronando (que espécie de animais pode estar habitando-a; protegendo-a, para que o passado permaneça adormecido). Os restos mortais do que foi um fogão a lenha; ainda guarda suas cinzas, que às vezes o vento insiste em agitar, formando uma densa nuvem de pó; revirando o passado adormecido.

Fogão velho a lenha; que acalentou sua dona com sua fumaça; disfarçando as lágrimas que caiam em suas labaredas. Fogão velho, que juntamente com panelas pretas (de barro); matou a fome de todos d’aquela casa. Ainda vêem-se cacos dessas panelas de barro espalhados nos arredores.

O tempo é o senhor de todas as coisas. O tempo é implacável; não poupa nada que esteja sobre a terra (nem sob ela). O tempo mexe com tudo. O tempo é o pior inimigo do homem (o tempo envelhece e mata). O homem nada pode contra o tempo. Deus é o senhor do tempo. Sem o tempo não haveria vida; sem a vida, mesmo assim, haveria o tempo. O tempo é superior a tudo.

Aquela casa velha abandonada foi vítima da ação do tempo. A família que nela residiu, também foram vítimas da ação do tempo. Seus descendentes também serão vítimas da ação do tempo. Viva o seu tempo; não o desperdice com coisas inúteis; posto que a vida é uma ilusão.

Rubens Campos

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